Por Jerbson Moraes Advogado e ex-presidente da Câmara Municipal de Ilhéus
A demolição dos últimos armazéns do antigo porto de Ilhéus despertou comoção em parte da população e reacendeu o debate sobre a relação da cidade com o seu passado. Não há dúvida de que Ilhéus possui um patrimônio histórico singular, fruto de quase cinco séculos de formação, prosperidade e transformações. No entanto, é preciso ir além da emoção para compreender que preservar a história não é, necessariamente, manter de pé cada parede antiga. Há momentos em que renovar também é preservar — de outra forma, mais dinâmica, mais conectada ao presente.
O porto de Ilhéus teve papel decisivo na era de ouro do cacau. Foi dali que partiram as riquezas que colocaram a cidade no mapa internacional. Mas os tempos mudaram. O mundo portuário é hoje marcado por novos modelos logísticos, ambientais e turísticos. Estruturas erguidas para uma realidade do início do século XX já não atendem às exigências de um século XXI que pede funcionalidade, sustentabilidade e integração urbana. Manter construções que perderam sua utilidade prática, sem um projeto de revitalização consistente, pode significar condenar o espaço à decadência e o patrimônio à ruína.
Em vez de lamentar o que se foi, Ilhéus pode enxergar na demolição uma oportunidade de recomeço. Nada impede que o local se transforme em um novo marco de convivência, cultura e turismo — que conte a história do porto de forma viva, acessível e interativa. A memória não precisa estar necessariamente nos tijolos originais, mas na forma como a cidade escolhe narrar sua própria trajetória. Centros de memória, painéis interativos, intervenções urbanas e novas vocações econômicas podem manter viva a identidade do porto sem congelar a cidade no tempo.
É compreensível a nostalgia de quem vê o passado ruir diante dos olhos. Mas é igualmente necessário reconhecer que o desenvolvimento urbano não é inimigo da história. Cidades como Salvador, Recife e o próprio Rio de Janeiro passaram por processos de modernização semelhantes — e nem por isso perderam sua essência. O desafio não está em preservar tudo, mas em escolher bem o que e como preservar, equilibrando sentimento e planejamento.
Ilhéus carrega a responsabilidade de ser guardiã de uma herança cultural riquíssima. Mas essa herança não pode ser um fardo. Ela deve ser inspiração. O progresso, quando orientado por respeito e visão estratégica, não apaga a história — renova-a. Que a área do antigo porto se torne um novo capítulo dessa história, capaz de unir memória e futuro, tradição e inovação.
Porque, no fim das contas, o que verdadeiramente destrói uma cidade não é a demolição de um prédio, mas a incapacidade de se reinventar.
Jerbson Moraes é advogado e ex-presidente da Câmara Municipal de Ilhéus, Bahia.