Quando o aplauso substitui a cobrança, a vitrine cresce e a cidade encolhe
“Todo poder emana do povo.” A frase é conhecida, repetida, quase automática. Está na Constituição, nos discursos e nos slogans de campanha. O problema nunca foi a frase. O problema é o esquecimento diário do que ela exige.
Ilhéus vive um tempo de redução territorial, ao menos, dentro do planejamento municipal e na distribuição das políticas públicas. Enquanto o centro e os bairros nobres geram imagens bonitas para as redes sociais, a vida real fica cada vez mais distante dessa “realidade”. Enquanto a Soares Lopes, a Cidade Nova e outros se apresentam bonitos, iluminados, cheio de sorrisos, nos rincões do Teotônio Vilela, no Nossa Senhora da Vitória, lá no meu querido Banco do Pedro, essa lógica se inverte e fica cada dia mais difícil de reconhecer esse retrato. A vida real mesmo é daquelas que enfrentam filas, buracos, insegurança, serviços precários e um poder público distante. A lógica da vitrine parece confortável para quem governa. A cidade vira cenário, enquanto a população aprende a sobreviver nos bastidores.
Praças maquiadas, eventos caros, shows que rendem postagem e aplauso, soluções cosméticas que não alcançam o cotidiano e radares, muitos radares por todos os lados. Enquanto isso, escolas, estradas vicinais, serviços básicos e trabalhadores públicos seguem enfrentando abandono, improviso e desvalorização. Não se trata de metáfora nem de exagero. Trata-se de uma rotina que muita gente conhece bem, ainda que nem sempre verbalize.
E aqui começa a parte mais delicada dessa conversa. Porque gestões ineficientes não se sustentam apenas por vaidade, despreparo ou propaganda bem feita. Elas também se sustentam quando encontram uma população cansada, excessivamente tolerante ou resignada. Quando a crítica vira conformismo. Quando a indignação se dissolve em comentários rápidos e morre no próximo assunto do dia.
Vale a pena ser uma população pacata que aplaude a iluminação da vitrine enquanto a casa cai por dentro? Vale a pena celebrar fachadas arrumadas quando o básico segue sendo promessa recorrente? O silêncio costuma ser a resposta. E silêncio, em política, quase nunca é neutro.
Existe uma força frequentemente subestimada na participação popular. Não a participação barulhenta e vazia, nem o ataque sem proposta, mas a crítica consciente, informada e persistente. Aquela que pergunta, cobra, acompanha e não se satisfaz com respostas genéricas. A mudança real no cotidiano de um município não nasce da boa vontade de um gestor. Nasce da pressão contínua de quem entende que política não é favor, é obrigação.
Talvez seja preciso dizer sem rodeios. Não existem políticos de estimação. Não existem gestões que mereçam blindagem emocional. Representantes eleitos não fazem caridade, não distribuem bondade, não “ajudam” a cidade. Eles trabalham para ela. Recebem para isso. E devem ser cobrados durante todo o mandato, não apenas em momentos de crise ou às vésperas de novas eleições.
Reconhecer um acerto não é bajular. É reconhecer o mínimo esperado. Da mesma forma, cobrar não é perseguição. É dever cívico. Uma população madura entende que fiscalização constante não atrapalha a gestão. Pelo contrário, qualifica. Só teme a cobrança quem governa com medo do espelho fora do controle.
Participar não exige heroísmo. Exige presença. Exige interesse. Exige abandonar a ideia confortável de que alguém, isolado em um gabinete, resolverá tudo sozinho. Reuniões de bairro, acompanhamento das decisões da Câmara, pedidos de informação, mobilização comunitária, debate público. Nada disso é excesso. É exercício de cidadania.
A democracia não funciona por aplausos, mas por vigilância. Não se fortalece com silêncio educado, mas com questionamento respeitoso. Não avança com resignação, mas com incômodo organizado.
Se Ilhéus anda mal, a responsabilidade começa no poder público, mas não termina nele. O futuro da cidade não será construído apenas por quem governa, mas por quem observa, cobra e se recusa a confundir vitrine com cidade.
Talvez esse seja o ponto mais desconfortável de todos. Não basta reclamar olhando de longe. Cuidar da cidade também é tarefa de quem vive nela. Ilhéus não precisa de aplausos fáceis. Precisa de presença, vigilância e participação contínua.
