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Jurisprudência do STF e a tarifa de esgoto em Ilhéus: a impropriedade jurídica da nota da Embasa

Por Jerbson Moraes

A nota recentemente divulgada pela Empresa Baiana de Águas e Saneamento S.A. (Embasa), segundo a qual inexistiria decisão do Supremo Tribunal Federal aplicável à tarifa de esgoto no Município de Ilhéus, revela leitura juridicamente restritiva, incompleta e tecnicamente equivocada da jurisprudência constitucional consolidada pela Suprema Corte. Sob o verniz de linguagem institucional, a manifestação da concessionária incorre em equívocos graves: confunde ausência de decisão específica no processo local com inexistência de precedente constitucional vinculante e minimiza, de forma deliberada, o alcance jurídico do julgamento proferido no ARE nº 1.542.507/BA, de relatoria do Ministro Luiz Fux.

É formalmente correto afirmar que o STF ainda não proferiu decisão específica no processo que tramita em Ilhéus. Contudo, é juridicamente incorreto sustentar que isso afaste a incidência da jurisprudência constitucional já firmada. O papel do Supremo Tribunal Federal, enquanto Corte Constitucional, não se esgota na solução de casos individuais: sua função precípua reside na fixação da interpretação última da Constituição. Decisões como a proferida no ARE 1.542.507/BA irradiam efeitos normativos, orientando a atuação do Poder Judiciário e da Administração Pública em casos materialmente idênticos. A exigência de "notificação" da concessionária para reconhecimento da força do precedente carece de qualquer amparo jurídico. Precedentes constitucionais não dependem de intimação administrativa para produzir efeitos; integram o sistema normativo e vinculam todos os agentes públicos — inclusive concessionárias de serviços públicos.

A Embasa sustenta, ainda, que o STF teria se limitado a examinar questão formal relacionada à legitimidade ativa de associação de consumidores, sem adentrar o mérito da constitucionalidade da lei municipal. Tal leitura não resiste ao escrutínio da dogmática processual constitucional. Ao negar seguimento ao recurso extraordinário, o STF afirmou expressamente que a controvérsia não possuía estatura constitucional — o que significa, em termos técnicos, que não foi identificada violação direta à Constituição na legislação municipal impugnada. No sistema brasileiro de controle jurisdicional, a negativa de seguimento não equivale a neutralidade quanto ao mérito. Ao contrário: preserva integralmente a eficácia da lei questionada e afasta, de modo definitivo, a tese de inconstitucionalidade sustentada pela parte recorrente. Não existe, no direito constitucional brasileiro, a figura da "lei inconstitucional por convicção da concessionária".

A tentativa de isolar o caso de Feira de Santana ignora a identidade material entre as legislações. A Lei Municipal nº 326/2016 (Feira de Santana) e a Lei Municipal nº 4.112/2021 (Ilhéus) possuem conteúdo normativo substancialmente idêntico: ambas limitam a tarifa de esgotamento sanitário ao percentual máximo de 40% do valor da conta de água. A controvérsia constitucional é rigorosamente a mesma: a possibilidade de o Município, à luz do art. 30, incisos I e V, da Constituição Federal, legislar sobre critérios tarifários de serviço público de interesse local. Nessas circunstâncias, a ratio decidendi firmada pelo STF deve ser aplicada de forma coerente, sob pena de violação aos princípios da segurança jurídica, da isonomia e da estabilidade jurisprudencial consagrada no art. 926 do Código de Processo Civil.

Quanto ao argumento de que a redução da tarifa comprometeria a prestação e a expansão do serviço, com impactos negativos à saúde pública e ao desenvolvimento socioeconômico, trata-se de tese recorrente, porém juridicamente insuficiente. O Supremo Tribunal Federal tem reiteradamente afirmado que o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão não autoriza o descumprimento da lei. Eventual desequilíbrio deve ser solucionado pelos instrumentos próprios do direito administrativo — revisão contratual, recomposição tarifária mediante procedimento regular — e jamais pela imposição unilateral de tarifas em desacordo com a legislação municipal vigente. O princípio da modicidade tarifária, insculpido no art. 6º, §1º, da Lei nº 8.987/1995, constitui limite material à exploração econômica do serviço público, indissociável da proteção do consumidor e do acesso universal ao serviço essencial.

Por fim, ao afirmar que o cumprimento de eventual decisão dependeria do trânsito em julgado no processo local, a Embasa confunde planos jurídicos distintos. O que depende de trânsito em julgado é a execução de decisão específica naquele processo; o precedente constitucional, diversamente, já se encontra consolidado. A Administração Pública e suas concessionárias têm o dever de conformar sua atuação à interpretação constitucional firmada pelo STF, independentemente da repetição formal do julgamento em cada município. A persistência na cobrança da tarifa no patamar de 80%, diante de jurisprudência constitucional consolidada em sentido contrário, expõe a concessionária a riscos jurídicos relevantes — inclusive quanto à restituição de valores cobrados indevidamente.

A nota divulgada pela Embasa não resiste a uma análise jurídica minimamente rigorosa. Ao minimizar o alcance da decisão do STF e insistir em argumentos já superados pela jurisprudência constitucional, a concessionária adota postura que tensiona os princípios da legalidade, da modicidade tarifária e da autonomia municipal. O precedente firmado no ARE 1.542.507/BA fortalece de maneira inequívoca a constitucionalidade da Lei Municipal nº 4.112/2021 de Ilhéus, reduzindo significativamente o espaço de controvérsia jurídica e impondo à concessionária o dever de adequação à ordem constitucional vigente.

Mais do que um debate tarifário, trata-se da reafirmação do papel do Município como ente federativo legítimo na regulação de serviços públicos essenciais — e da função do STF como guardião da Constituição frente a resistências administrativas incompatíveis com o Estado Democrático de Direito.


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