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PL da Dosimetria muda regras de penas para crimes contra a democracia; entenda ponto a ponto

Projeto aprovado pelo Congresso altera cálculo de condenações e progressão de regime; texto aguarda sanção de Lula e pode beneficiar Bolsonaro e condenados do 8 de Janeiro

Por Jerbson Almeida Moraes

21 de dezembro de 2025 | 06h00

O Projeto de Lei 2.162/2023, batizado de 'PL da Dosimetria', foi aprovado pelo Congresso Nacional na última terça-feira (17) e encaminhado à Presidência da República, onde aguarda sanção ou veto de Luiz Inácio Lula da Silva. O texto promove mudanças significativas no Código Penal e na Lei de Execução Penal que podem reduzir substancialmente as penas de condenados por crimes contra o Estado Democrático de Direito — entre eles, o ex-presidente Jair Bolsonaro e centenas de participantes dos atos de 8 de janeiro de 2023.

A votação no Senado terminou com 48 votos favoráveis e 25 contrários, após aprovação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) por 17 a 7. O relator, senador Esperidião Amin (PP-SC), defendeu que a proposta busca 'pacificar o país' e corrigir o que chamou de 'desproporcionalidade' nas condenações aplicadas pelo Supremo Tribunal Federal.

Mas, afinal, o que muda com o projeto? A reportagem ouviu especialistas em direito penal e preparou um guia completo sobre as principais alterações e seus efeitos práticos.

Progressão de regime: de 25% para 16%

A mudança mais impactante do projeto está nas regras de progressão de regime prisional. Atualmente, condenados por crimes praticados com violência ou grave ameaça precisam cumprir ao menos 25% da pena (se primários) ou 30% (se reincidentes) antes de progredir do regime fechado para o semiaberto.

Os crimes de 'abolição violenta do Estado Democrático de Direito' e 'golpe de Estado' — tipificados nos artigos 359-L e 359-M do Código Penal — preveem violência ou grave ameaça em sua própria definição. Logo, quem é condenado por esses delitos se enquadra nas frações mais rigorosas de progressão.

O PL da Dosimetria cria uma exceção: mesmo que o crime envolva violência, se for um delito do capítulo de crimes contra as instituições democráticas, a progressão passa a exigir apenas um sexto da pena — o equivalente a cerca de 16,6%.

Na prática: um condenado a 12 anos de prisão hoje precisaria cumprir 3 anos em regime fechado antes de progredir. Com a nova regra, bastam 2 anos — uma redução de 12 meses no tempo de encarceramento mais severo.

Fim da soma de penas: só vale a mais grave

Outra alteração de peso está no chamado 'concurso de crimes'. Quando uma pessoa comete mais de um crime na mesma ocasião, o juiz pode somar as penas (concurso material) ou aplicar a pena mais grave com um aumento (concurso formal). A escolha depende das circunstâncias.

O STF, ao julgar os envolvidos nos atos de 8 de janeiro, aplicou o concurso material em vários casos, somando as penas dos crimes de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Foi assim que algumas condenações chegaram a 17 anos de reclusão.

O projeto cria o artigo 359-M-A no Código Penal, determinando que, se os crimes contra a democracia forem praticados 'no mesmo contexto', deve-se aplicar apenas a pena do crime mais grave, com aumento de um sexto a metade. A soma aritmética fica proibida.

Exemplo: se alguém foi condenado a 8 anos por golpe de Estado e 6 anos por abolição violenta, a soma daria 14 anos. Pela nova regra, a pena ficaria entre 9 anos e 4 meses e 12 anos, a depender do percentual de aumento aplicado pelo juiz.

Redutor para quem agiu 'na multidão'

O PL também cria uma causa de diminuição de pena de um terço a dois terços para quem cometeu crimes contra a democracia em 'contexto de multidão' — desde que não tenha financiado os atos nem exercido papel de liderança ou organização.

A justificativa é que pessoas inseridas em dinâmicas de massa agem sob influência do grupo, com menor capacidade de autodeterminação. É um conceito estudado desde o século 19 pela psicologia social — o próprio Gustave Le Bon, em 1895, já descrevia fenômenos de 'contágio emocional' e 'diluição da responsabilidade' em aglomerações.

Para obter o benefício, o condenado terá de provar que estava em contexto de multidão e que não financiou nem organizou a ação. A acusação, por sua vez, poderá apresentar provas em contrário — como mensagens de grupos, transferências bancárias ou coordenação logística.

Remição em prisão domiciliar

Uma mudança menos comentada, mas relevante, permite que condenados em prisão domiciliar tenham direito à remição de pena por trabalho ou estudo. Hoje, há controvérsia sobre essa possibilidade, já que a fiscalização das atividades é mais difícil fora do ambiente prisional.

O projeto deixa claro: o cumprimento de pena em regime domiciliar não impede a remição. Mas o condenado continua precisando comprovar as atividades — com certificados, relatórios e atestados de frequência.

Não é anistia

É importante distinguir o PL da Dosimetria de propostas de anistia. O projeto não extingue crimes, não apaga condenações e não limpa antecedentes. As pessoas continuam condenadas e respondendo penalmente — o que muda é o tamanho da pena e as condições para cumpri-la.

Uma eventual anistia, se aprovada, teria efeito muito mais amplo: extinguiria a punibilidade dos fatos, encerrando processos e libertando condenados independentemente de progressão. São institutos jurídicos distintos.

Quem pode ser beneficiado

Se o presidente Lula sancionar o projeto, as novas regras se aplicarão imediatamente a todos os condenados por crimes contra o Estado Democrático de Direito — inclusive àqueles cujos processos já transitaram em julgado. Isso porque a Constituição determina que a lei penal mais benéfica retroage para favorecer o réu.

Entre os potenciais beneficiados estão o ex-presidente Jair Bolsonaro, condenado a 27 anos e 3 meses pelo STF, e centenas de participantes dos atos de 8 de janeiro. Também podem ser alcançados militares como Almir Garnier (ex-comandante da Marinha), Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa), Walter Braga Netto e Augusto Heleno.

Para requerer os benefícios, os condenados ou seus advogados deverão apresentar petição ao juízo da execução penal, pedindo a readequação do cálculo de pena e a revisão do lapso temporal para progressão de regime.

Críticas e controvérsias

O projeto enfrenta críticas de juristas e da oposição ao governo Bolsonaro. Para alguns especialistas, embora o texto seja formalmente genérico, ele foi desenhado para beneficiar um grupo específico de condenados — o que violaria o princípio constitucional da impessoalidade.

'O projeto interfere em julgamentos já realizados pelo Supremo, criando regras sob medida para reduzir penas de pessoas específicas. É uma forma de anistia disfarçada', afirmou à reportagem um professor de direito penal que pediu anonimato.

Defensores do projeto, por outro lado, sustentam que o Congresso tem competência para alterar leis penais a qualquer momento, e que a retroatividade da lei mais benéfica é garantia constitucional. O relator Esperidião Amin argumentou que as penas aplicadas pelo STF foram 'desproporcionais' e que é dever do Legislativo corrigir essa distorção.

O que esperar agora

O projeto foi encaminhado à Casa Civil na última quinta-feira (19). Lula tem até 15 dias úteis para sancionar, vetar total ou parcialmente, ou deixar o prazo correr — neste último caso, o texto entra em vigor automaticamente.

Questionado sobre o tema, o presidente afirmou que só decidirá após analisar o texto com sua equipe jurídica. Integrantes do governo avaliam que um veto total seria politicamente desgastante, mas também reconhecem que a sanção pode gerar críticas de setores que defendem punição mais rigorosa aos envolvidos nos atos antidemocráticos.

Se sancionada, a lei entra em vigor imediatamente, e os primeiros pedidos de readequação de pena podem chegar à Justiça já nos dias seguintes.

ENTENDA O PL DA DOSIMETRIA

O que é: Projeto de Lei 2.162/2023, que altera o Código Penal e a Lei de Execução Penal para crimes contra o Estado Democrático de Direito.

Situação atual: Aprovado na Câmara (10/12) e no Senado (17/12). Aguarda sanção presidencial.

Principais mudanças: Progressão de regime com 1/6 da pena (em vez de 25%); proibição de soma de penas para crimes do mesmo contexto; redução de um a dois terços para quem agiu em multidão; remição em prisão domiciliar.

Quem pode ser beneficiado: Condenados por crimes contra a democracia, incluindo participantes do 8 de janeiro e ex-presidente Bolsonaro.

Prazo para decisão: Lula tem até 15 dias úteis para sancionar ou vetar o projeto.

Jerbson Almeida Moraes é advogado (OAB/BA 16.599) e mestrando em Direito pelo Centro Universitário 7 de Setembro (UNI7) e pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).


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